Desde anos antes da
Proclamação da República a Academia vinha sendo atacada pelos críticos da geração mais nova, liderados por
Gonzaga Duque, que viam seu sistema de valores como utópico, anêmico, elitista, defasado, servil ao Estado e por demais dependente da Europa, desconectado dos tempos modernos e sem maior relevo para a cultura nacional.
[48][49] Contudo, os estudiosos contemporâneos tendem a considerar essas opiniões parciais, datadas historicamente e hoje ultrapassadas, e reafirmam a importância do projeto acadêmico imperial como um todo, mesmo que ele possa ser criticado em alguns aspectos. O que faltou a Duque e seu círculo parece ter sido em essência a falta de uma perspectiva histórica adequada, não levando em conta os determinantes pregressos que conduziram o desenvolvimento artístico brasileiro no século XIX, nem parecem ter estimado corretamente as possibilidades reais de renovação cultural em larga escala de um país que mal estava se consolidando como entidade independente e tinha uma longa e arraigada herança barroca que mesmo nos anos finais do século XIX ainda sobrevivia em várias regiões e em várias expressões da arte e da cultura populares, e que eram pouco afetadas pelo que acontecia na capital da nação.
Instaurando-se a república em 1889, já no ano seguinte surgiram outros sinais de crise.
Rodolfo Bernardelli assumiu a direção da Academia, agora transformada em
Escola Nacional de Belas Artes e em breve a intensa atividade anterior esmoreceu. Foi acusado de malversão de verbas, galerias foram fechadas e decaíram, escolheu professores que o apoiavam para perpetuar-se no cargo, e mudou os estatutos, com o que as classes se esvaziaram. Mas cresceu inexorável um movimento contra sua orientação, a qual, dizia-se, "transformou a Escola de Belas-Artes em feira".
Henrique Bernardelli:
A Proclamação da República, c. 1900.
A crise institucional e estética gerada não obstante deu lugar a uma reavaliação de conceitos e objetivos, já que nascida na
monarquia há cem anos a instituição não poderia permanecer idêntica no novo regime republicano e em meio a uma atmosfera social todo diversa, aburguesada, multifacetada e borbulhante com as cidades em crescimento acelerado e sob o impacto das recentes inovações tecnológicas. O próprio novo Estado republicano se valeu imediatamente da pintura para ilustrar seus novos valores e heróis, reinterpretando para seus próprios propósitos a formalização iconográfica anterior e ao mesmo tempo tentando afastar-se dela pela introdução de personagens e estéticas mais atualizadas, que não tinham uma vinculação significante com o passado monárquico e tinham em vez uma ligação com perspectivas de modernidade, democracia e progresso.
Mesmo nesse período conturbado, alguns nomes ressaltam por seu mérito inegável. De fato para a pintura as coisas não estavam ruins, e o vigor e variedade da produção destes artistas emergentes, muitos dos quais mulheres, o demonstra:
Pedro Alexandrino Borges,
Arthur Timótheo da Costa,
Helios Seelinger,
Carlos Chambelland,
Rodolfo Chambelland,
Georgina de Albuquerque,
Antônio Garcia Bento,
Belmiro de Almeida e
Leopoldo Gotuzzo, todos e cada um refletiram em seus trabalhos a diversidade de tendências da época, como o
Realismo, o
Impressionismo, o
Simbolismo, o
Ecletismo e a
Art nouveau, abrindo uma quantidade enorme de novos campos formais na pintura e acelerando as transformações em direção a uma nova ordem de valores que seria patenteada na polêmica modernista.
De fora do centro do país são de assinalar as presenças mais ou menos isoladas de
Jerônimo José Telles Júnior, paisagista em Pernambuco, Manuel Lopes Rodrigues na Bahia,
Rosalvo Alexandrino de Caldas Ribeiro, ensinando em
Alagoas,
Benedito Calixto, atuando no litoral de São Paulo. Merece nota também o caso do
Rio Grande do Sul, onde eram bastante ativos, junto com figuras menores,
Pedro Weingärtner e
Antônio Cândido de Menezes, ambos com sólida formação acadêmica e deixando obra de qualidade, especialmente o primeiro deles.
[53]
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Benedito Calixto: Porto de Santos, 1889
-
Manuel Lopes Rodrigues: Alegoria da República, 1896, Museu de Arte da Bahia
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Oscar Pereira da Silva: Moça com Bandeja, s/d., Coleção particular
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Belmiro de Almeida: Retrato de Abigail Seabra aos 12 anos de idade, 1900, Coleção Marília Seabra Buarque de Andrade
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Antônio Parreiras:
Fim de romance, 1912, Pinacoteca do Estado de São Paulo
Modernismo
A Semana de Arte Moderna e a primeira geração de modernistas
Nas primeiras décadas do século XX São Paulo já se afirmava como uma das grandes cidades brasileiras, impulsionada pela riqueza oriunda do cultivo do
café e pela industrialização, e com uma classe burguesa abastada. Distante da influência direta da Academia, o ambiente artístico pôde evoluir de forma um pouco mais livre, dentro de um espírito mais
cosmopolita, onde havia maior afluxo de artistas estrangeiros, trazendo ideias progressistas da Europa, ainda que os primeiros avanços significativos tenham se dado visivelmente na área da
arquitetura, da
literatura e das
artes gráficas. O ambiente se dividia entre uma tendência retrógrada fiel ao academismo, e outro setor cuja insatisfação e irritação contra o estado estagnante de coisas se expressava em termos contundentes.
[57] Nas palavras do pintor
Di Cavalcanti:
- "O academismo idiota das críticas literárias e artísticas dos grandes jornais, a empáfia dos subliteratos, ocos, palavrosos, instalados no mundanismo e na política, e a presença morta de medalhões nacionais e estrangeiros, empestando o ambiente intelectual de uma pauliceia que se apresentava comercial e industrialmente para sua grande aventura progressista, isso desesperava nosso pequeno clã de criaturas abertas a novas especulações artísticas, curiosas de novas formas literárias, já impregnadas de novas doutrinas filosóficas" [58]
O
clã a que ele se referia era um grupo de intelectuais, muitos educados na Europa, atualizados com as correntes da vanguarda europeia da época, como o
Expressionismo, o
Fauvismo, o
Futurismo e o
Cubismo. Segundo Contier, dentre todas as correntes o Futurismo teve o maior papel no lançamento do Modernismo brasileiro, tanto que nos primeiros anos os participantes do movimento eram conhecidos como futuristas.
[59] Do grupo faziam parte os escritores/poetas
Oswald de Andrade,
Guilherme de Almeida, e
Mário de Andrade, e
Victor Brecheret na escultura, além de alguns outros. O estopim para a realização da
Semana de Arte Moderna, o marco inaugural do Modernismo no Brasil, foi a celeuma surgida em torno da exposição de
Anita Malfatti em 1917. Atacada por
Monteiro Lobato no artigo
Paranoia ou Mistificação?, o grupo modernista de imediato se reuniu em defesa de Anita, e a polêmica estava declarada. Outros eventos de vanguarda se sucederam nos anos imediatamente seguintes, e por fim foi organizada uma série de recitais, palestras e exposições em 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, o que constituiu a Semana de Arte Moderna.
Di Cavalcanti:
Samba, 1925.
Difusão domodernismo
O eixo Rio-São Paulo
Tarsila do Amaral:
Abaporu, 1928
A esta altura começou a emergir uma legião de artistas, que faria do Modernismo brasileiro das décadas de 30 e 40 um prisma multicor, onde a influência do espanhol
Pablo Picasso veio a ganhar um enorme destaque.
[66] Mesmo no Rio, principal reduto do Academismo tradicional, já se viam em atividade, desde meados dos anos 20, personalidades independentes como
Ismael Nery, com um trabalho derivado do Cubismo, do Expressionismo e do
Surrealismo, embora sua obra não tivesse grande circulação em seu tempo. Em 1930 o então ministro
Gustavo Capanema nomeou
Lúcio Costa como diretor da Escola Nacional de Belas Artes, cuja administração, embora curta, introduziu o Modernismo no âmbito acadêmico oficial e passou a aceitar obras modernistas nos Salões da Escola, o primeiro deles chamado, sintomaticamente, de
Salão Revolucionário. Este Salão, segundo
Franco de Andrade, teve um impacto e uma importância ainda maiores do que a Semana de 22 na consolidação do Modernismo no Brasil.
[67] Em 1931
Ado Malagoli,
Bustamante Sá,
José Pancetti e
Edson Motta, com alguns outros, fundaram o
Núcleo Bernardelli, como uma alternativa ao ensino oficial. Suas personalidades artísticas eram muito diferenciadas, mas o Núcleo durou até 1940, com as importantes adesões de
Quirino Campofiorito e
Milton Dacosta. Faziam uma abordagem moderada do Modernismo, e com grande preocupação por uma pintura de artesania.
Ismael Nery:
Mulher agachada.
"A geração que despontou na década de 30 foi decerto mais conservadora; tinha, porém, maior consciência de que os problemas da arte se resolviam em primeiro lugar no campo da arte, no embate concreto com suas tradições e suas técnicas. O Núcleo Bernardelli, no Rio de Janeiro, e a Família Artística Paulista, em São Paulo, foram conseqüência desse novo clima. Volpi foi seu produto mais valioso, ainda que as obras mais importantes dele tenham sido um fruto relativamente tardio".
A descoberta da terra, 1941.
Pintura mural de Portinari no edifício da
Biblioteca do Congresso,
Washington, DC.
Outros centros
Na Bahia até a década de 40 não havia nenhum museu organizado, nem críticos influentes, nem salões regulares. Além disso, ali o movimento moderno foi mais ou menos retardado pela influência da figura tutelar do acadêmico Prisciliano Silva. Introduzido primeiro pela literatura, o Modernismo teve seu marco inicial na pintura com a primeira exposição de José Guimarães, aluno de Prisciliano, em 1932. Incompreendido, amargou um ostracismo que o levou a se transferir para o Rio, onde não teve sorte melhor. Só uma década depois outro evento semelhante aconteceria, com uma mostra de modernos de São Paulo organizada por Jorge Amado, com a mesma repercussão negativa. A situação só começou a mudar em favor dos modernos no fim dos anos 40, quando foi convidado para participar do governo estadual o educador Anísio Teixeira, ganhando então o respaldo oficial e espaços próprios. Na mesma época se fixaram em Salvador Pancetti, Jenner Augusto e Carybé, seguidos de outros
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