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terça-feira, 4 de outubro de 2011

A crise da Primeira República-3ª parte

Desde anos antes da Proclamação da República a Academia vinha sendo atacada pelos críticos da geração mais nova, liderados por Gonzaga Duque, que viam seu sistema de valores como utópico, anêmico, elitista, defasado, servil ao Estado e por demais dependente da Europa, desconectado dos tempos modernos e sem maior relevo para a cultura nacional.[48][49] Contudo, os estudiosos contemporâneos tendem a considerar essas opiniões parciais, datadas historicamente e hoje ultrapassadas, e reafirmam a importância do projeto acadêmico imperial como um todo, mesmo que ele possa ser criticado em alguns aspectos. O que faltou a Duque e seu círculo parece ter sido em essência a falta de uma perspectiva histórica adequada, não levando em conta os determinantes pregressos que conduziram o desenvolvimento artístico brasileiro no século XIX, nem parecem ter estimado corretamente as possibilidades reais de renovação cultural em larga escala de um país que mal estava se consolidando como entidade independente e tinha uma longa e arraigada herança barroca que mesmo nos anos finais do século XIX ainda sobrevivia em várias regiões e em várias expressões da arte e da cultura populares, e que eram pouco afetadas pelo que acontecia na capital da nação.
Instaurando-se a república em 1889, já no ano seguinte surgiram outros sinais de crise. Rodolfo Bernardelli assumiu a direção da Academia, agora transformada em Escola Nacional de Belas Artes e em breve a intensa atividade anterior esmoreceu. Foi acusado de malversão de verbas, galerias foram fechadas e decaíram, escolheu professores que o apoiavam para perpetuar-se no cargo, e mudou os estatutos, com o que as classes se esvaziaram. Mas cresceu inexorável um movimento contra sua orientação, a qual, dizia-se, "transformou a Escola de Belas-Artes em feira".

Henrique Bernardelli: A Proclamação da República, c. 1900.
A crise institucional e estética gerada não obstante deu lugar a uma reavaliação de conceitos e objetivos, já que nascida na monarquia há cem anos a instituição não poderia permanecer idêntica no novo regime republicano e em meio a uma atmosfera social todo diversa, aburguesada, multifacetada e borbulhante com as cidades em crescimento acelerado e sob o impacto das recentes inovações tecnológicas. O próprio novo Estado republicano se valeu imediatamente da pintura para ilustrar seus novos valores e heróis, reinterpretando para seus próprios propósitos a formalização iconográfica anterior e ao mesmo tempo tentando afastar-se dela pela introdução de personagens e estéticas mais atualizadas, que não tinham uma vinculação significante com o passado monárquico e tinham em vez uma ligação com perspectivas de modernidade, democracia e progresso.


Mesmo nesse período conturbado, alguns nomes ressaltam por seu mérito inegável. De fato para a pintura as coisas não estavam ruins, e o vigor e variedade da produção destes artistas emergentes, muitos dos quais mulheres, o demonstra: Pedro Alexandrino Borges, Arthur Timótheo da Costa, Helios Seelinger, Carlos Chambelland, Rodolfo Chambelland, Georgina de Albuquerque, Antônio Garcia Bento, Belmiro de Almeida e Leopoldo Gotuzzo, todos e cada um refletiram em seus trabalhos a diversidade de tendências da época, como o Realismo, o Impressionismo, o Simbolismo, o Ecletismo e a Art nouveau, abrindo uma quantidade enorme de novos campos formais na pintura e acelerando as transformações em direção a uma nova ordem de valores que seria patenteada na polêmica modernista.
De fora do centro do país são de assinalar as presenças mais ou menos isoladas de Jerônimo José Telles Júnior, paisagista em Pernambuco, Manuel Lopes Rodrigues na Bahia, Rosalvo Alexandrino de Caldas Ribeiro, ensinando em Alagoas, Benedito Calixto, atuando no litoral de São Paulo. Merece nota também o caso do Rio Grande do Sul, onde eram bastante ativos, junto com figuras menores, Pedro Weingärtner e Antônio Cândido de Menezes, ambos com sólida formação acadêmica e deixando obra de qualidade, especialmente o primeiro deles.[53]

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